De repente Daniel se via correndo desesperadamente para frente. Não tinha a mínima noção de direção. O barulho das explosões lhe desconcentrava, dando a ele uma imensa dor de cabeça que passava despercebida por culpa dos recentes acontecimentos. Desviava-se das pedras que estavam caindo ao seu redor, ao mesmo tempo em que lágrimas corriam pela sua face suja. O reino que um dia fora sua casa estava destruído. Apenas uma pergunta se destacava entre milhares de pensamentos.
Por quê?
No meio daquela chuva de pedras, agora via uma luz no final do túnel. Estava vendo o céu, isso era possível? Ia conseguir. Ia conseguir sobreviver. E estava tão certo disso, que não percebeu de imediato a pedra que iria cair em cima dele. Quando percebeu, já era tarde demais. Não tinha como desviar. Iria morrer assim, de maneira tão ridícula? Havia tantas coisas que queria desvendar... Seu passado, suas memórias... Fechou os olhos, esperando o impacto. Pelo menos rezava que não doesse e simplesmente morresse de vez. Nada veio. Esperou alguns segundos. Nada. Havia acontecido conforme tinha rezado?
Abriu lentamente os olhos, para finalmente descobrir como era o paraíso, se é que iria para o paraíso. Mas se decepcionou, de certa forma, a idéia de estar em um lugar melhor parecia bem mais atraente que estar na Terra. Vivo. O que estava. Sem nenhum arranhão.
No fim do túnel viu a figura de um homem. Estava segurando uma espada vermelha como sangue. Larga e estranha. Seu portador também era igualmente estranho. Tinha uma aparência jovem e ao mesmo tempo velha. Cabelo totalmente branco, nas partes mais escuras era cinza. Tinha uma pele clara. Daniel também percebeu que ele possuía orelhas levemente pontudas.
Daniel resolveu avaliar os olhos do homem estranho, ou criatura. Sentiu uma forte pontada no peito, como se estivessem enfiando uma espada. Os olhos negros e sem vida do homem... Eram assustadores. Desviou o olhar o mais rápido que pôde.
Daniel agora fitava o chão, assustado e sem saber o que fazer. Olhou o ambiente ao seu redor. Estava pertíssimo da saída, mas ainda não sabia o que tinha acontecido, até que pôs os olhos sobre a pedra que estava antes vindo em seu caminho. Estava cortada ao meio, um corte perfeito. Mais dúvidas lhe vieram a cabeça.
‘Isso não é feito humano.’ Concluiu, enquanto engolia em seco. Teria sido o homem... Ou melhor, aquela criatura que tinha feito isso? Levantou os olhos, para ver o que aquilo estaria fazendo agora.
O homem de cabelos brancos deu as costas e saiu daquele ambiente empoeirado. Daniel continuou imóvel, assustado. Devia segui-lo? Afinal... Tinha que admitir, se o homem ou criatura tivesse feito aquilo... Tinha o salvado.
Tomou uma decisão perigosa: iria espionar o sujeito. Era o único modo para saber o que ele estava fazendo ali. Com alguns passos rápidos e delicados, saiu daquele lugar e ficou atrás de uma moita. Seus olhos acompanharam o homem. Percebeu que ele agora estava acompanhado de uma mulher. Ele entregou a ela uma pedra preciosa, que ela examinou com atenção. Depois, retornou a pedra à mão do homem, fechando a mão dele usando seus dedos frágeis, que começaram a sangrar assim que entraram em contato. Ela lançou um olhar profundo para ele, em que ele desviou o olhar e tirou suas mãos.
A mulher tinha uma beleza angelical, cabelos negros e curtos, olhos verdes... Suas orelhas também eram pontudas e usava uma roupa de caçadora.
Daniel inventou de se mexer um pouco, o que fez barulho. Imediatamente os dois ficaram em posição de combate. O homem empunhou a espada enquanto a mulher segurou seu arco e apontou uma flecha ao arbusto que Daniel estava. O sangue do garoto de cabelos negros gelou.
‘Droga.’ Pensou, suando frio.
Levantou-se lentamente, com os braços para cima mostrando que estava desarmado, e consequentemente, se rendendo. As duas figuras se aproximaram dele cuidadosamente.
“Quem é você, humano?” A mulher falou, em tom ameaçador enquanto apontava a flecha e segurava o arco com suas mãos sangrentas.
“E-Eu sou Daniel.” Ele gaguejou. “Sou, quero dizer, era, um curandeiro daqui. Mas agora meu reino está em pedaços e devo minha vida a você.” Olhou para o homem enquanto evitava encontrar com seu olhar.
O homem baixou o arco da mulher, mas não baixaram as guardas.
“Está disposto a vir conosco?” O homem de cabelos brancos perguntou, enquanto olhava para ele fixamente. Daniel baixou a cabeça e demorou a pensar. Não sabia se estava fazendo a coisa certa, mas estava disposto a arriscar.
“Sim.” Respondeu. O que tinha a perder? Tudo que ele se importava havia sumido em um piscar de olhos. Sentia um enorme aperto no peito, uma enorme vontade de chorar, o que deixou guardado.
Não demorou muito que começaram a andar até o seu destino. Daniel não sabia o nome do casal e tinha enormes dúvidas quanto a tudo que tinha acontecido. Sua memória começava a falhar e mal se lembrava do que tinha acontecido antes do reino começar a desmoronar. Mas lembrava-se com clareza do desespero do momento.
Tentou então se aproximar do casal, andando mais perto deles. Não mostraram incomodo, então não demorou a perguntar.
“Quem são vocês?” Foi sua primeira pergunta. Achava que tinha o direito de saber, pois eles sabiam muito mais sobre ele do que ele sabia sobre eles. Percebeu que agora o homem tinha uma faixa branca sobre seus olhos, como se fosse para evitar o contato olho por olho.
“...Eu me chamo Aeron.” O homem de cabelos brancos respondeu, após demorar um pouco. Então olhou para a mulher.
“Eu sou Míriël.” A mulher respondeu, com firmeza. A beleza nos seus traços era evidente mesmo quando demonstrava raiva e determinação. “Sou uma Elfa.” Daí surgiu a resposta para toda sua beleza angelical: era algo genético.
Mas Daniel ainda não ficou satisfeito, ainda não sabia o que eles estavam planejando, para onde estavam indo ou que diabos era Aeron. Resolveu então fazer mais algumas perguntas.
“Para onde estão me levando?” Perguntou enfim.
“Te levando? Não está se equivocando um pouco, humano?” Míriël respondeu com certa rispidez. “Você está vindo conosco por vontade própria, faça o que achar de melhor, só não se ponha em nossa responsabilidade.”
Ficou um pouco assustado com a resposta, mas resolveu se arriscar com outra pergunta boba.
“Já que não respondeste minha última pergunta, poderia dizer pelo menos o que estão planejando? Não gosto de não saber no que estou me metendo.” Foi sincero ao que pôde. Não iria mentir, estava curioso para saber tudo que estava acontecendo, mas não ia adiantar nada se ficasse parado sem falar nada.
“A escolha foi sua, Daniel. Acho que você sabe muito bem que a culpa não será nossa caso você se meta em algo que não queira, tanto que nós nem mesmo sabemos se você quer ser metido nesta situação ou não.” Aeron falou, de forma relaxada e calma. “Mas não se preocupe, não é nada que você não tenha presenciado nesse mundo. Estamos indo para o Norte, para as Montanhas da Perdição.”
Daniel sentiu uma estranha sensação de estar andando com pessoas muito, mais muito mais velhas que ele. Provavelmente já haviam vivenciado muito mais que ele. Conheciam muito mais que ele. Se sentia imaturo e insignificante, perguntas bobas como aquela eram inúteis. Atualmente todos os reinos ao seu redor que conhecia estavam em guerra. Disputando entre si os territórios, sempre almejando o poder. Com o que mais teria que se preocupar?
Resolveu então permanecer em silêncio o resto da viagem, estaria manchando a sua honra se preocupando em coisas bobas em qual seu destino e o que poderia acontecer com ele confiando naquelas duas pessoas. Isso foi o que havia aprendido naquele momento: havia coisas maiores para se preocupar do que apenas seu bem estar. Seu reino estava destruído, pessoas morriam em outros lugares e chacinas cada vez maiores.
Talvez essas pessoas quisessem evitar esses acontecimentos, afinal, foram elas que o fizeram perceber tal fato. Talvez.
A viagem deles foi bastante cansativa, pelo menos para Daniel. Aqueles dois pareciam possuir toda energia possível. Perguntava-se por que estavam indo em direção às Montanhas da Perdição, mas logo iria descobrir.
Observou bastante Aeron e Míriël, juntos eles pareciam um casal, mas evitavam entrar em contato. O que Daniel não entendia. A Elfa já havia feito um curativo em suas mãos, mas o garoto de cabelos negros continuava sem entender o porquê.
De noite fizeram uma fogueira para descansar, comer e se preparar para o próximo dia. Daniel ficou sentado do lado da fogueira. Aeron havia saído para pegar comida, agora que havia três pessoas ao invés de duas, os mantimentos acabaram virando pouco. O garoto de cabelos pretos logo resolveu esclarecer algumas coisas com a Elfa.
“Míriël, porque você fez um curativo em suas mãos?” Perguntou, olhando para as mãos delicadas da Elfa.
“Porque eu me machuquei, não é óbvio, humano?” Ela respondeu, meio que de forma ríspida. Por conta da resposta, Daniel percebera que sua pergunta fora meio que inútil.
“...Não era isso que eu queria saber. Como isso ocorreu?” O garoto de cabelos negros perguntou.
“Porque se importa?” Mais direta impossível.
“Eu...” Estava pensando em continuar a falar ‘não me importo’, mas achou que isso não ia ajudar em nada. Aliás, que só iria piorar ainda mais as coisas. “Eu só queria saber.” Respondeu enfim. “Mas... O que vocês dois estão planejando?”
Nesse momento, Aeron chegou trazendo consigo um coelho e um veado. E estava olhando para Daniel naquele momento.
“É engraçado o fato de você só vir perguntar isso agora, mas faço questão de responder.” Ele falou, olhando para o garoto com os seus olhos negros. Soltou os animais no chão e andou para o lado da Elfa. A sua última frase ficou marcada naquele silêncio.
“Dominar o mundo.”
O próximo dia foi igualmente tediante. Daniel ficou com medo das intenções das pessoas com quem estava andando, além de que resolveu ficar de boca calada para o resto da viagem. Cada vez que fazia perguntas, mais ficava com medo. Não que essas pessoas parecessem serem malévolas... Tinha resolvido segui-las, mas não sabia se estava fazendo a coisa certa.
No que ele estaria se metendo? Dominar o mundo? Definitivamente isso não parecia uma coisa boa... Mas essas pessoas haviam ajudado-o. Aeron havia salvado ele. Uma pessoa com más intenções teria deixado morrer ali mesmo.
Resolveu acompanhar eles, pelo menos até as Montanhas da Perdição. Estavam agora passando por uma estrada aberta. O sol batia nas arvores que cercavam a estrada. Pareciam estar perto de um vilarejo, mas esse caminho se desviava.
Tinha que pelo menos entender o porquê que queriam dominar o mundo. Porque até agora não fazia sentido. Desistiu da sua idéia de ficar calado. Não faria mais sentido. Ele tinha que descobrir mais... Saber mais.
Passou a andar então ao lado de ambos. Era estranho viajar com duas pessoas desconhecidas que eram completamente frias. Só pareciam amigáveis quando estavam juntas.
“Queria saber mais sobre vocês, se é não pedir muito.” O garoto de cabelos negros falou, meio receoso por estar quebrando o silêncio que havia entre eles.
Aeron, que estava usando a sua faixa sobre os olhos, olhou para Míriël.
“Essa curiosidade dos humanos...” Míriël suspirou, depois olhou para o garoto. “Você sabe até demais. E nós não podemos confiar em você. Não ainda.”
“Você está querendo dizer que é pra eu confiar em vocês mesmo que vocês não confiam em mim?” Ele disse, meio que indignado.
“Se quer tanto saber... Você vai ter que entrar para o grupo. E terá que assumir a responsabilidade de ser um membro do grupo. E isso inclui que se você repassar informações, morrerá.” Aeron falou, olhando para a frente, com uma voz decidida.
Grupo? Do que é que eles estavam falando? Isso queria dizer que... Haviam mais pessoas tentando dominar o mundo além de Aeron e Míriël?
“...Que grupo?” Perguntou.
“Vou considerar isso um ‘sim’.” Aeron respondeu. “Estávamos precisando de um curandeiro, você vai servir.”
Daniel refletiu suas ações. Era certo mesmo se juntar a eles? Bem, o que teria a perder, não é mesmo?
‘Talvez minha vida.’ Pensou, hesitando.
“Eu vou ajudar vocês.” Ele decidiu. “Mas com uma condição.” Aeron soltou uma pequena risada.
“Agora é você que tem que decidir as condições?” Falou, com um sorriso sarcástico no rosto.
“...Não é bem uma condição, mas eu quero ajuda também.” Daniel falou, decidido. “Eu quero ajuda pra encontrar meu passado.” Agora encarou o casal que estava ao seu lado. Pararam de andar. Os dois se entreolharam e ficaram em silêncio por um instante.
“Certo, veremos o que faremos a respeito.” Aeron falou, Míriël o encarou com um olhar enfurecido. O homem de cabelos brancos resolveu fazer algo que satisfizesse a Elfa. “Claro que, nós dois não poderemos te ajudar. Mas... Arranjaremos alguém.”
O humano de olhos azuis assentiu, com isso estava satisfeito. Sim, a coisa mais importante para ele era seu passado, mesmo que não se lembrasse. Não possuía nenhuma memória do que havia ocorrido em sua vida. Apenas as de um ano atrás, quando acordou naquele reino estranho.
E nada daquilo que lembrava do reino foi esquecido.
domingo, 2 de agosto de 2009
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1 comentários:
Perfeito *----*
Quero saber o que acontece, como assim dominar o mundo?
O que há no passado de Daniel???
aaaah muitas perguntas
quero o capítulo 2 *-*
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